A nova ordem norte-americana, estabelecida nas últimas semanas pelo governo de Donald Trump, constitui um ataque frontal ao multilateralismo. São graves e relevantes os fatos ocorridos recentemente: guerra comercial até com aliados históricos; tratativas bilaterais na Ucrânia e em Gaza; isolacionismo em problemas globais, como emergência climática e inteligência artificial; desligamento da Organização Mundial da Saúde; congelamento de verbas para a Assistência Internacional ao Desenvolvimento (Usaid). Essas ações põem em xeque o sistema internacional construído desde a Segunda Guerra Mundial e representam um desafio adicional à diplomacia brasileira, que será testada em diversas frentes.Desde 20 de janeiro, quando assumiu a chefia da Casa Branca, Donald Trump tem arrostado o establishment formado pelo consenso das nações ao longo de décadas.
O presidente norte-americano busca cumprir a promessa eleitoral de resgatar uma supremacia norte-americana, resumida na sigla Maga (Make America Great Again – Faça a América grande novamente, em tradução livre). Dada a importância dos Estados Unidos nas mais relevantes questões globais, a ofensiva trumpista afeta diretamente situações centrais, como a estabilidade política na Europa e no Oriente Médio, a cotação do dólar no mercado mundial, o fluxo comercial na economia global, a sustentabilidade do planeta. Corretamente, o presidente Lula afirmou que o governo brasileiro adotará o princípio da reciprocidade se os EUA avançarem no choque tarifário. Foi o mesmo tom empregado pela presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, e pelo primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau, para citar apenas algumas reações de líderes mundiais.
O tensionamento nas transações internacionais coloca em xeque conquistas relevantes, como o Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (Gatt), assinado em 1947, e a própria Organização Mundial do Comércio, entidade que conta com a adesão de mais de 160 países. Nesse capítulo particular, a diplomacia brasileira precisará atuar em ao menos três frentes. Em primeiro lugar, será necessário abrir uma negociação bilateral com o governo norte-americano, a fim de evitar a sobretaxa sobre itens importantes na balança comercial entre os dois países, como o aço, o alumínio e o etanol. Paralelamente, será preciso envidar esforços para reabilitar a OMC e o cumprimento de regras consagradas por acordos gerais de livre-comércio. Por último, torna-se ainda mais estratégica a busca por alternativas em outras parcerias comerciais, a fim de compensar as medidas protecionistas lançadas pela Casa Branca. Em relação à segurança global, desestabilizada pelos conflitos na Ucrânia e no Oriente Médio, o Brasil tem poder de influência limitado.
A interferência direta de Donald Trump nas negociações de paz na Ucrânia, deixando de lado a União Europeia, bem como o anúncio do plano de retirada dos palestinos da Faixa de Gaza são ações muito graves. Mas o governo brasileiro pouco pode fazer, exceto juntar-se ao repúdio internacional às ações intempestivas da política externa norte-americana. Além de ameaçar o sistema multilateral construído em resposta a conflitos capazes de varrer a humanidade do planeta, os Estados Unidos de Donald Trump reivindicam um novo posto no cenário internacional. O vice-presidente deu o tom na última sexta-feira, em reunião de cúpula na Europa: “Há um novo xerife na cidade”. Trata-se de uma declaração de força, com consequências políticas e econômicas de extensão global. O mundo enfrentará tensões e incerteza, e o Brasil precisa se preparar.