Parlamentos do G20: Diálogo para problemas globais

Para a vice-presidente do Senado da República Italiana, senadora Licia Ronzulli, somente a cooperação internacional será capaz de enfrentar efetivamente problemas de proporções planetárias, como a fome, a pobreza, a desigualdade de gênero e a crise climática. Presente na 10ª Cúpula de Presidentes dos Parlamentos do G20 (P20), realizada no Congresso Nacional, em novembro, a parlamentar compartilhou a realidade vivida no país. “Há menos de um mês, o governo aprovou um decreto-lei sobre a proteção ambiental do país, para intensificar os esforços de conservação do solo e combate ao risco hidrogeológico”, contou. Segundo a parlamentar, o Ministério do Meio Ambiente italiano também disponibilizou mais de 1 bilhão de euros (mais de R$ 6,3 bilhões) para a prevenção de desastres.

Com formação em enfermagem, Licia Ronzulli começou a carreira na política em 2009, aos 32 anos. Foi eleita senadora pelo partido de centro-direita Força Itália em 2018, quando o Parlamento italiano completava 70 anos de história. Em novembro de 2023, Ronzulli foi eleita vice-presidente do Senado. Para combater a desigualdade de gênero, a parlamentar afirma que o país europeu também adotou medidas para aumentar a representação política feminina e estimular a independência financeira das mulheres.

No aniversário de 150 anos da imigração italiana no Brasil, Licia Ronzulli ressalta o crescimento do interesse de brasileiros na Itália e as semelhanças culturais, como “os mesmos valores relacionados à família e à receptividade”. Ela sinaliza, ainda, uma aproximação econômica: “As empresas italianas estão cada vez mais interessadas em investir no Brasil, um mercado dinâmico, com grandes oportunidades nos setores de energia, de infraestrutura e de tecnologia”.

Qual sua análise sobre o P20 e o que a será levado daqui para a Itália?

O principal: temas globais, como a fome, a pobreza, a desigualdade e o deficit democrático de alguns regimes, só podem ser combatidos e enfrentados globalmente. E isso deve ocorrer com um diálogo contínuo entre as instituições internacionais e com acordos que levem a resultados concretos, a serem verificados um de cada vez nas conferências subsequentes. Nós fizemos isso. O resultado final obtido com base nesse acordo é a prova de que é possível alcançar grandes resultados se os líderes das principais economias do mundo colaborarem concretamente para enfrentar e resolver os graves problemas sociais que afligem este planeta. De qualquer forma, quero agradecer às instituições brasileiras pela recepção, pelo grande trabalho realizado e pela extraordinária capacidade organizativa demonstrada.

E quanto à interação com líderes de parlamentos de outros países?

Volto à Itália com um balanço absolutamente positivo. Discutimos os principais desafios globais, encontrando, muitas vezes, um panorama semelhantes sobre as soluções a serem criadas. Não tinha dúvidas sobre a abertura e a disponibilidade ao diálogo de meus colegas, que demonstraram uma real vontade de cooperar além das diferenças nacionais. Também tivemos uma troca muito franca e produtiva sobre temas como segurança internacional e o papel da democracia, compartilhando experiências e boas práticas que podem ser de grande valor para nossos respectivos países.

Como foi seu contato com as autoridades brasileiras?

Encontrei-me com o presidente [do Senado] Rodrigo Pacheco. Foi um encontro proveitoso que fortaleceu ainda mais os laços de amizade entre nossos dois países. Agradeci a ele pelo sucesso do evento e pelos temas abordados neste fórum dos parlamentares.

Durante o encontro, falou-se muito sobre a importância da representação feminina. A senhora tem uma trajetória em defesa da igualdade de direitos e salários entre homens e mulheres na Itália, especialmente na política. Como pensa que este debate realizado aqui pode contribuir com essa luta?

O objetivo da igualdade de gênero vai além dos limites de nossas nações, pois é uma meta que só pode ser alcançada através de diálogo e colaboração contínuos entre todas as instituições internacionais. O P20, assim como outras iniciativas realizadas pelo Brasil no G20 enquanto presidente do grupo em 2024, não só mantém esse tema em evidência, como também é uma oportunidade para reunir contribuições significativas para enfrentar este desafio. Na Itália, demos passos importantes criando normas que garantissem a igualdade de gênero na representação política. Contudo, ainda temos um longo caminho a percorrer para atenuar a disparidade de gênero a nível financeiro, que é um problema cultural. Devemos capacitar as mulheres para construir sua independência econômica, e um dos pilares principais é a educação financeira. Por isso, introduzimos o ensino dessa matéria nas escolas, para que as jovens de hoje, quando se tornarem mulheres, possam tomar decisões econômicas conscientes. No entanto, é preciso também promover o empreendedorismo feminino, com empréstimos facilitados e produtos financeiros de baixo custo em parceria com os bancos.

Sobre fome e combate à pobreza, quais são as políticas adotadas na Itália, além daquelas seguidas por parte da União Europeia?

Desde o início do governo, há dois anos, priorizamos respostas concretas por meio de medidas para reduzir as desigualdades, protegendo as categorias mais vulneráveis e buscando não deixar ninguém para trás, e trabalhando para reduzir, se não eliminar, disparidades econômicas e sociais inaceitáveis. Não por acaso, 20% das leis aprovadas desde o início da legislatura focaram na proteção dos mais fracos, na economia, no meio ambiente, na agricultura e no trabalho. Isso gerou resultados visíveis. Alcançamos, por exemplo, uma taxa de emprego nunca registrada desde o pós-guerra até hoje.

A desigualdade social na Itália aumentou nos últimos anos?

Não podemos ignorar o que aconteceu nos últimos quatro anos. Primeiro o drama da covid, depois a guerra na Ucrânia deram um duro golpe em nossa economia, assim como na esfera global, com sérias repercussões para cidadãos e famílias. Os preços dos alimentos aumentaram, e algumas cadeias de abastecimento importantes foram reduzidas ou interrompidas. Felizmente, com trabalho sério e concreto, estamos gradualmente voltando à situação pré-covid e implementamos medidas significativas para reduzir a pobreza e para intervir nas áreas do país onde as disparidades econômicas são mais graves

Nos últimos meses, o país enfrentou eventos climáticos extremos, em Roma, na Emilia-Romagna e na Sicília. De que forma o governo italiano tem investido em políticas e leis de prevenção a essas catástrofes?

Obviamente, a questão das mudanças climáticas é algo que estamos enfrentando com bastante consciência. Há menos de um mês, o governo aprovou um decreto-lei sobre a proteção ambiental do país, para intensificar os esforços de conservação do solo e combate ao risco hidrogeológico. O Ministério do Meio Ambiente também disponibilizou mais de um bilhão de euros para governadores de regiões e províncias autônomas em prol da prevenção da instabilidade hidrogeológica.

A população recebeu suporte financeiro?

O governo agiu imediatamente para atender as populações atingidas por esses desastres, declarando imediatamente estado de emergência e mobilizando centenas de socorristas e voluntários para as áreas afetadas pelas enchentes. Só para a Emilia-Romagna destinamos um montante superior a três bilhões de euros. Em resumo, as populações nunca foram deixadas sozinhas.

Quais políticas ainda faltam no G20 para mitigar essas perdas, acelerar a transição energética e avançar rumo a uma sociedade mais sustentável?

Acredito que seja necessária uma visão que leve em conta vários fatores, sem avanços precipitados que, ao favorecer a svolta green [“virada verde” na tradução literal], possam depois prejudicar a economia. Essa é uma luta que o governo italiano está conduzindo na Europa. Todos estamos conscientes da gravidade das mudanças climáticas e da necessidade da transição ecológica. No entanto, nos últimos anos, assistimos a um extremismo ideológico que acaba por gerar danos. Por exemplo, ao impor, como fez a Comissão Europeia anterior, o fim da produção de carros a combustíveis fósseis até 2035, sem considerar o gravíssimo impacto sobre empresas que correm risco de falir e sobre os trabalhadores que podem perder seus empregos. Felizmente, o plano programado pela nova Comissão dá sinais de maior razoabilidade.

A Itália tem propostas financeiras para apoiar políticas climáticas em países em desenvolvimento, discutidas no G20?

O encontro do G20 é uma grande oportunidade para trazer resultados concretos de apoio a esses países. Para isso acontecer, são necessárias parcerias internacionais público-privadas para mobilizar capital em projetos sustentáveis e garantir um fluxo de recursos constante e adequado. Contudo, precisamos assegurar que os recursos investidos tenham impacto concreto, evitando desperdícios. Portanto, sim ao apoio aos países em desenvolvimento, mas garantindo que os fundos sejam utilizados com transparência e eficácia. Caso contrário, o risco é que tudo se torne inútil depois.

Este ano, em que se celebra os 150 anos de imigração italiana no Brasil, há aumento na imigração de brasileiros?

Foram 150 anos de um vínculo histórico que enriqueceu e fortaleceu ambos os países. Nossa comunidade no Brasil é numerosa e bem integrada. Além disso, nos últimos anos, cresceu o interesse dos brasileiros pela Itália, seja para estudo, seja para trabalho, portanto, houve um aumento da sua comunidade em nosso país. Isso tem contribuído para uma troca de valores importantes, ressaltando a relevância do diálogo e da cooperação entre nossas nações.

Pela sua experiência no Brasil, onde se vê a herança da cultura italiana aqui?

Ambos compartilhamos os mesmos valores relacionados à família e à receptividade. Creio que uma certa influência italiana pode ser observada na arquitetura e no empreendedorismo. Muitos italianos que decidiram se mudar para o Brasil contribuíram para o desenvolvimento de diversos setores econômicos. Creio que haja uma osmose das qualidades entre os nossos países. Na moda e na arte, por exemplo, podemos notar como o design e a criatividade são elementos de grande comunhão entre as duas populações.

A aproximação entre os dois países tem se fortalecido?

Economicamente, as empresas italianas estão cada vez mais interessadas em investir no Brasil, um mercado dinâmico com grandes oportunidades nos setores de energia, de infraestrutura e de tecnologia. Também os intercâmbios universitários e programas de pesquisa entre institutos italianos e brasileiros têm aumentado, envolvendo jovens gerações de ambos os países. Em suma, há uma ponte que nos une, e acredito fortemente nesses laços e em políticas que promovam a cooperação entre nossos países.

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