Kéramos, Terra Queimada – A Arte Milenar Da Cerâmica

Kéramos, Terra Queimada – A Arte Milenar Da Cerâmica (Givaldo Barbosa e sua coleção “Parafusos”. (Fotos: Adriano Matos e acervo pessoal do artista))

Conversando com uma amiga, profissional da comunicação, recém-chegada de Aracaju, ela me dizia sobre os rumos que o Nordeste a ofereceram nas artes. Morando um bom tempo por lá, ela percebeu sua vocação para os trabalhos manuais e se dedicou à cerâmica. Hoje, desfruta o prazer de apresentar sua obra, bastante delicada e diversa como ceramista que é, em feiras de arte e artesanato e em espaços formais de comercialização de artes!

Segundo Leida Teixeira, minha conterrânea de Itabirito, em Minas Gerais, “A cerâmica é uma arte milenar que envolve a modelagem e a queima de argila para criar objetos utilitários e decorativos. Com prática, paciência e dedicação, a cerâmica pode se tornar uma atividade criativa e gratificante.”

Meus olhos, as vezes inadvertidamente, percebem cores, formas e lugares muito bonitos e diferenciados e me obrigam a dispensar àquelas visões, uma atenção especial, que na maioria das vezes ligam em algum lugar do meu cérebro a sensibilidade! Aí, acabou, o que me chama atenção, se torna objeto de estudo e pesquisa.

Não deu outra, com Leida, descobri nomes e atividades em torno da cerâmica desenvolvidas em Aracaju, a capital sergipana, que me chamaram a atenção e por isso fui atrás para investigar.

A história da arte da cerâmica

Primeiro, por meio de pesquisa na internet, cheguei a um site bastante interessante, que me contou direitinho um pouco da história da cerâmica. Ali aprendi, que a cerâmica é produzida há cerca de 10 mil anos e o termo vem do grego, “kéramos”, terra ou, argila queimada e é um material de grande resistência, encontrado em escavações arqueológicas.

Claro, a cerâmica e suas formas, estão intimamente ligadas às necessidades do homem, ao longo de sua evolução. A necessidade de vasilhas para armazenamentos diversos, foi a primeira motivação para que o homem utilizasse essa técnica de manejo da argila queimada, para suprir essas questões. Isso, segundo consta, vem desde muitos anos antes da chamada Era Cristã.

A argila, com composição bastante macia, se umedecida se torna fácil de modelar e por isso, facilita a descoberta das formas e possibilidades de uso, que a técnica proporciona. Naturalmente que as peças passam por um rigoroso processo de secagem para a retirada da água e com a evolução dos tempos, essas peças passaram a ser queimadas em altas temperaturas, para se tornarem rígidas e resistentes!

Com criatividade e explorando o seu talento natural, o homem ao longo dos tempos foi além e com a argila queimada, produziu peças diversas, com valor estético e isso se transformou em arte, com a oferta de coleções inteiras de peças refinadas que podem ser apreciadas e comercializadas em todas as partes do mundo.

Por tradição, no Brasil a origem da cerâmica é normalmente atribuída à ilha de Marajó, onde a famosa cerâmica marajoara retrata a contemporaneidade da cultura indígena, oriunda da região.

Não é o caso neste conteúdo de hoje, mas para quem quiser aprofundar, uma boa dica de pesquisa é sobre a cerâmica marajoara, que era considerada “altamente elaborada e de uma especialização artesanal”, segundo as informações do site da Estiva Refratários.

Mas voltando para Sergipe, em Aracaju, por meio de minha conterrânea Leida, conheci um arquiteto urbanista, Givaldo Barbosa, formado pela Universidade Federal de Pernambuco, que teve um primeiro contato com a cerâmica em um ateliê livre aberto ao público, na segunda metade da década de 80.

Mesmo com um tempo afastado das artes, Givaldo Barbosa retorna à cerâmica por meio do atelier da professora Elisabete Oliveira e em seguida monta o seu próprio espaço, ao lado de alguns colegas, o Atelier Akayu.

Novas artes a partir da cerâmica

Ali deu-se início a um processo de aperfeiçoamento não só na modelagem do barro, mas também da esmaltação, que exigiu dedicação e mais aperfeiçoamento com um curso de formulação de esmaltes. O aprimoramento do trabalho naturalmente, proporcionou a comercialização das peças em uma galeria local e esta exposição, o leva ao reconhecimento, ficando entre os 10 finalistas do concurso “A Xícara do Museu”, organizado pelo Museu do Café em Santos, SP.

Mas Givaldo enfatiza que foi durante a pandemia, que ele passa a frequentar o coletivo “Farei Joias”, sob a coordenação da designer joalheira Adeguimar Arantes e ressalta que esse coletivo abre um novo campo de expressão artística, a joia de cerâmica.

Foto 1: Anel Bluastra em cerâmica esmaltada, cobre eletroformado e cristal de vidro | Foto 2: Xícara Estrela, premiada entre os 10 finalistas do Concurso “A Xícara do Museu” (Fotos: acervo de Gil Barbosa e Mavi Retrata)

Foi por meio do coletivo, que Barbosa participou do Brazil Jewelry Week 2022, do Amarê Fashion – Semana da Moda Goiana 2022, do New York City Jewelry Week 2023 e da IV Bienal Latino-Americana de Joyeria Contemporanea 2024.

Instigado a se manifestar sobre tudo isso, Givaldo Barbosa ressalta, “a arte para mim, em especial a cerâmica e a joalheria, significa uma possibilidade de desconectar-me do cotidiano mais “duro”, da racionalidade do trabalho. É a arte que me leva para o campo do lúdico, da liberdade criadora, que me salva todos os dias.”

Não só no Nordeste, o ceramista entende o movimento da cerâmica, como um cenário diverso e que reflete o desenvolvimento econômico dos estados. Nos maiores centros como Recife, Salvador e Fortaleza, a cerâmica é tida como uma arte mais consolidada e valorizada, sendo muito desse crédito devido ao trabalho de grandes nomes dessa arte, como por exemplo Francisco Brenand, amplamente reconhecido em Recife. Givaldo ainda comenta, que em estados menos conhecidos nesse meio, vem desenvolvendo um excelente trabalho de divulgação e valorização de seus artistas, a exemplo de Alagoas.

Perguntei especificamente sobre Sergipe e ele me respondeu o seguinte: “Em Sergipe temos no município de Santana do São Francisco o principal polo de produção de cerâmica, inclusive fornecendo argila bruta para a grande maioria de artistas do estado. Na minha opinião, as peças produzidas lá têm pouca expressão criativa, com exceção de uns poucos artesãos, a grande maioria envereda para uma produção em grande escala e repetitiva.

Nos últimos anos percebo um aumento significativo de ceramistas em Aracaju que vem desenvolvendo um trabalho diferenciado, evidentemente facilitado pelo acesso a bons ateliers, materiais e ferramentas adequadas. Não tenho dúvidas que a nossa capital já se tornou um outro polo dessa arte.”

Perguntei sobre o movimento denominado “coletivo” e Givaldo discorreu sobre o coletivo “Farei Joias”, dizendo que se vinculou a esse grupo durante a pandemia com encontros online. O Coletivo Farei Jóias, tem como objetivo democratizar o ofício do joalheiro.

“Adeguimar Arantes, a idealizadora do movimento, foca no desenvolvimento da criatividade individual, no despertar de sua identidade, fazendo com que cada participante trabalhe com os materiais ao alcance de cada um”, enfatiza Barbosa. Para ele, a professora Adeguimar Arantes, desmistifica o conceito do precioso e valoriza a história individual como o bem mais raro, incentiva o “slow fashion”, que procura valorizar cada etapa do processo de produção.

Foi aí que Givaldo Barbosa encontrou uma nova vertente de expressão artística, com a possibilidade de associar seus conhecimentos da cerâmica com a joalheria, e desde então desenvolve coleções e peças em cerâmica com pedras preciosas e prata.

Como disse na abertura do conteúdo, os temas são tão instigantes e as conversas tão ricas e podem ficar ainda mais enriquecidas. Confesso que fiquei ansioso por conhecer mais de perto a professora Adeguimar Arantes.

Peças da coleção “Parafusos”, selecionadas para participar da NYC Jewelery Week 2023 (Foto: Mavi Retrata)

O bom, é que como toda expressão artística que se dispõe a concorrer a um espaço comercial no mercado, a cerâmica tem gradativamente alcançado esta posição e economicamente, pensando nas oportunidades da economia criativa e da economia circular, na visão de Givaldo Barbosa, “cada vez mais que o local vai prevalecer sobre o global!” Ele acredita também, que a valorização do trabalho singular, no sentido do único, vai ganhar o espaço da massificação uniformizante. Indagado sobre as artes no âmbito da sustentabilidade, nosso convidado da semana, disse: “Nessa temática, entendo a sustentabilidade como a valorização do trabalho (arte) dos pequenos, dos locais, que contam suas histórias, que falam do seu povo, daquilo que só existe ali. O trabalho lento e bem-feito com identidade”.

Já caminhando para o final de nossa conversa, Givaldo Barbosa salienta que, “nos mais de 30 anos em que moro em Aracaju e que exerço o ofício de arquiteto a arte sempre esteve junto a mim. Arte e arquitetura caminham juntas. Como professor do Instituto Federal de Sergipe, venho nos últimos anos tentando, sem sucesso, montar um curso profissionalizante para o aperfeiçoamento de artesãos, com ênfase no design e identidade pessoal. Alagoas fez isso e já colhe bons frutos com uma nova leva de excelentes profissionais.”

De fato, os investimentos no aperfeiçoamento de artesãos, principalmente com ênfase no design e na percepção das identidades pessoais, vem sendo objeto de bastante insistência por órgãos como o SEBRAE por exemplo, que durante um bom tempo circulou com o Programa Sebrae de Artesanato, que prezava especialmente pelo apuro da produção artesanal enriquecida pela identidade cultural de cada região, que carregava as peças de valor, tradição, identidade e força comercial.

Mas ainda chegaremos lá! Por hora, sigo na minha caminhada de abrir espaço nesta coluna, para apresentar para o Brasil e o mundo, talentos, iniciativas, pessoas, histórias e estórias, que comprovam que a arte embala nossa vida e não tem mais volta. Gostamos do belo, do que é criativo e do que nos encanta.

Sugiro que você comece também a pesquisar por aí, sobre aquilo que te alimenta os olhos!

Até a próxima.

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