O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tem alternado os últimos dias entre reuniões com o presidente Lula e outros colegas da Esplanada e entrevistas em que diz já ter finalizado os arremates técnicos de um pacote estrutural de corte de gastos públicos, mas até agora nada foi anunciado.
O ministro chegou a sinalizar que as medidas poderiam ser apresentadas ontem, mas a quinta-feira terminou com frustração, principalmente no mercado de capitais. A Bolsa de São Paulo, a B3, terminou o dia em baixa, destoando da maioria de seus pares no mundo em um dia de alta global das ações e evidenciando o peso que a indefinição do governo exerce sobre os ativos brasileiros.
Até agora, o que se sabe é que o governo prepara propostas a serem levadas ao Congresso na forma de emenda à Constituição. Nos bastidores, a demora se deve a divergências de última hora, principalmente entre a equipe econômica e a ala política. Em Brasília, ontem foi mais um dia de reuniões sem anúncios.
Mudanças no seguro-desemprego e no abono salarial (o abono PIS/Pasep) e em programas sociais viraram motivo de embate entre ministros nas reuniões sobre corte de gastos que ocorrem ao longo desta semana no Palácio do Planalto. Novas reuniões previstas para hoje.
Depois da queixa sobre não ter sido chamado para discutir alterações em direitos trabalhistas e ameaçar pedir demissão do cargo, o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, foi convocado ao Planalto para tratar do assunto com integrantes da Junta de Execução Orçamentária (JEO) e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, nesta semana.
Durante o encontro que durou cerca de duas horas, na terça-feira, Marinho teria sido duro com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, segundo interlocutores. Após o encontro, o titular da pasta do Trabalho disse que não havia decisão tomada e que os técnicos continuavam a fazer contas.
Marinho retornou ao Palácio nas duas reuniões, ontem, para tratar do assunto. Ele tem o apoio das centrais sindicais, que não aceitam quaisquer alterações em direitos trabalhistas. As entidades enviaram um ofício ao Planalto pedindo uma audiência urgente com o presidente.
No documento, os sindicalistas defendem esclarecimentos sobre os impactos do ajuste orçamentário “sobre as políticas de proteção aos trabalhadores”. A carta é assinada por cinco centrais sindicais.
Mudanças no seguro-desemprego e no abono salarial fazem parte do “pacote” sugerido pela Fazenda e pelo Ministério do Planejamento. As duas despesas juntas vão somar R$ 87,5 bilhões no ano que vem. Uma das ideias levadas foi conceder o seguro apenas para quem recebe até dois salários mínimos. Já o abono, que é um 14º vencimento pago a quem ganha até dois salários mínimos por mês poderia ser limitado por renda familiar ou ter o critério de acesso alterado para um salário mínimo.
Outro foco de discussão foi levado pelos ministros da Saúde, Nisia Trindade, e da Educação, Camilo Santana, que tentam evitar mudanças nos pisos constitucionais das suas áreas. Santana, além disso, quer que o governo não altere o Fundeb (fundo de financiamento da educação básica).
Na tentativa de convencer os ministros, Haddad tem repetido nas reuniões o discurso de que a decisão de cortar não é dele. Argumenta que a decisão é do governo e que seu papel foi empenhar esforços para aprovar o arcabouço fiscal.
Mas o ministro afirma que, se as despesas obrigatórias continuarem crescendo no ritmo atual, haverá sérias dificuldades para cumprir as regras fiscais de 2025 em diante. Segundo um interlocutor, Haddad alerta que, se nada for feito, será preciso cortar as despesas discricionárias e, como não há margem orçamentária, o governo ficaria paralisado.
Nas reuniões, a área econômica cobrou dos ministros do Desenvolvimento Social (MDS), Wellington Dias, e da Previdência, Carlos Lupi, a meta de economia para o próximo ano no processo de pente-fino em suas áreas, revisão cadastral e Atestmed (que facilita a concessão do auxílio-doença).
O MDS se comprometeu a economizar entre R$ 1,5 bilhão e R$ 2 bilhões para reduzir a despesa com Bolsa Família para R$ 166 bilhões em 2026.
Segundo pessoas que participam das reuniões, durante as conversas não se falou em desindexação e desvinculação dos benefícios do valor do salário mínimo. A política de reajuste do piso nacional exerce forte pressão sobre essas despesas obrigatórias.
Nova reunião hoje
Mesmo sem estar presente na reunião de ontem, o chefe do MDS, Wellington Dias, reforçou que as políticas gerenciadas por sua pasta, citando o Benefício de Prestação Continuada (BPC) e Bolsa Família, não serão atingidas pelas medidas em estudo. Disse que a pasta vai contribuir por meio de combate a fraudes e irregularidades.
Ontem, Lula se reuniu com oito ministros por mais de cinco horas em duas sessões, com uma pausa para o almoço. O vice-presidente, Geraldo Alckmin, também participou da etapa da tarde. Hoje, a reunião será retomada às 14h. A ideia é que o ministro Fernando Haddad apresente os planos ao menos aos presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), antes de divulgá-los.